Entrevista — Podcast Mais Que Jurídico x Dra. Janaína Vecchia


Dra. Janaína Vecchia é promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás desde 2004. Pós-graduada em Transformação de Conflitos e Estudos de Paz com ênfase em equilíbrio emocional pela Universidade de Innsbruck (Áustria), atua há quase duas décadas na comarca de Luziânia, com passagens pelo Tribunal do Júri, Infância e Juventude, direitos difusos e coletivos e área criminal. Membra titular da Academia de Letras e Artes do Planalto (ALAP), é reconhecida pelo trabalho técnico aliado a uma visão humanizada da Justiça, pela proximidade com a comunidade e pela defesa de uma atuação ministerial comprometida com ética, diálogo e serviço à sociedade.


Mais Que Jurídico: Dra. Janaína, o que motivou a senhora a escolher o Direito e, depois, a carreira no Ministério Público?


Dra. Janaína Vecchia: Sempre gostei de escrita, história e reflexão. Via no Direito uma porta aberta para várias possibilidades. Durante a faculdade, estagiei em diferentes áreas, mas no último ano trabalhei com dois promotores de Justiça muito entusiasmados com a carreira. Aquilo me marcou. Decidi focar exclusivamente no concurso do Ministério Público e, em 2004, ingressei na instituição, onde estou até hoje, construindo essa trajetória em Goiás.


Mais Que Jurídico: Como foi o caminho até se titularizar em Luziânia?


Dra. Janaína Vecchia: Assim como na Magistratura, a carreira no Ministério Público é construída por etapas. Fui promotora substituta, atuando em comarcas como Novo Gama e Formosa. Depois me titularizei em Novo Gama e, em 2006, fui promovida para Luziânia, onde permaneço desde então. Já são 19 anos de atuação na cidade, criando vínculos profundos com a comunidade.


Mais Que Jurídico: A senhora costuma falar sobre vocação como algo que “nos agita por dentro”. Como isso se conecta com sua atuação no Ministério Público?


Dra. Janaína Vecchia: Para seguir nessa carreira é preciso ter essa inquietação interna de fazer o melhor, mesmo diante de frustrações, limitações e resultados nem sempre ideais. Quando entendemos o Ministério Público como serviço à sociedade, com olhar humano para quem é afetado por cada decisão, a vocação deixa de ser um discurso e passa a ser prática diária.


Mais Que Jurídico: Existe um imaginário de que promotor é alguém frio e distante. Como desconstruir isso?


Dra. Janaína Vecchia: Esse é um ponto essencial. O promotor sempre foi associado ao embate, à acusação pura e simples. Hoje, falamos em mediação, transformação de conflitos, escuta ativa. Estamos ali para proteger direitos, mas também para acolher, orientar, esclarecer. Mostrar o Ministério Público para a população, em espaços como este podcast, é fundamental para humanizar essa imagem.


Mais Que Jurídico: A senhora poderia compartilhar um caso que a marcou e evidenciou esse olhar humano?


Dra. Janaína Vecchia: Em um Juizado Especial, ao propor uma transação penal, percebi um senhor assinando o termo com dificuldade e chorando. Fui ouvir o porquê. Ele relatou uma situação de extrema vulnerabilidade, depois confirmada. A partir daquela escuta, revi a proposta. Esse episódio reforçou para mim que não lidamos com papéis, e sim com pessoas reais, dores reais. É preciso estar atento a esses sinais.


Mais Que Jurídico: E na Infância e Juventude, houve situações que a impactaram?


Dra. Janaína Vecchia: Muitos momentos. As visitas a abrigos eram especialmente fortes. Crianças segurando na barra da saia, pedindo adoção, pedindo para ir para casa com a gente. É emocionalmente desafiador. Trabalhei para fazer o melhor, mas isso cobra um preço humano. Por isso, valorizo muito quem permanece atuando nessa área com responsabilidade e sensibilidade.


Mais Que Jurídico: A senhora defende uma abordagem humanizada também na aplicação dos instrumentos de autocomposição, como ANPP e acordos?


Dra. Janaína Vecchia: Sim. Os acordos de não persecução penal e demais mecanismos de autocomposição são importantes quando usados com critério. Permitem soluções mais céleres, proporcionais e efetivas, especialmente para vítimas e seus familiares, sem banalizar a resposta penal. O foco deve ser sempre: o que melhor atende à sociedade e ao caso concreto?


Mais Que Jurídico: Como equilibrar essa visão humana com o combate à sensação de impunidade?


Dra. Janaína Vecchia: Olhando caso a caso. Crimes como receptação ou porte ilegal de arma não podem ser tratados como “bobos”. Eles alimentam delitos mais graves. A resposta penal precisa ser proporcional, firme quando necessário, mas sem transformar tudo em estatística. O Ministério Público não é órgão de condenação automática: muitas vezes pedi absolvição quando as provas eram insuficientes. Isso também é justiça.


Mais Que Jurídico: A senhora foi empossada na Academia de Letras e Artes do Planalto. O que isso representa?


Dra. Janaína Vecchia: Representa responsabilidade e gratidão. Sempre me senti pertencente a Luziânia. A Academia permite preservar e difundir a história, a cultura e a identidade da região, aproximando o Direito, a educação e as artes. É uma forma de retribuir ao lugar que me acolheu.


Mais Que Jurídico: Fora do Direito, o que ajuda a senhora a manter o equilíbrio?


Dra. Janaína Vecchia: A prática de yoga e meditação há sete anos é fundamental para mim. É um momento de introspecção, organização interna e cuidado emocional. Um espaço em que eu não penso nos processos, mas fortaleço o meu próprio eixo para poder servir melhor.


Mais Que Jurídico: Que mensagem final a senhora deixa para acadêmicos de Direito e operadores do Direito?


Dra. Janaína Vecchia: Busquem o autoconhecimento, a consciência da realidade em que atuam e nunca se esqueçam de que o Direito é, antes de tudo, serviço. Cada processo tem vidas envolvidas — vítimas, familiares, réus, comunidade. Não reduzam pessoas a números. Seja no Ministério Público, na advocacia, na magistratura ou em qualquer área, façam o melhor com ética, responsabilidade e humanidade. Isso transforma instituições e transforma pessoas.


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